O Concílio

* De banho tomado, escovava os cabelos lilases sentada na cama. Não havia no quarto uma penteadeira; além do local de descanso, apenas um divã e um pequeno armário, onde guardava as roupas e os utensílios de beleza, como a escova de cabo de madeira que passava delicadamente entre as melenas...

Na frente do guarda-roupas, um manequim. Nele estava o modelo¹ que usaria naquela ocasião tão especial. Certamente, sentir-se-ia um tanto envergonhada ao vesti-lo, por não esconder o colo; entretanto, o dia era por demais especial, e queria deixar para trás a aparência da menina indefesa que chegou com o pai ao Santuário. Era ela uma deusa ou não, afinal?

Terminou de pentear-se. Despiu o roupão e foi em direção ao vestido. Era branco como a neve, mas tinha detalhes de pérolas abaixo do busto; o decote, tomara-que-caia, era drapeado. Sem dúvida, a modelagem acinturada, embora discreta, deixaria o corpo jovial de Ágatha ainda mais belo.

Pegou-o e vestiu-o. Foi até o armário e abriu uma das portas, onde havia um espelho pregado à madeira. Olhou-se por alguns instantes e sentiu-se bonita. Segurou alguns prendedores e os pôs nos cabelos, deixando as madeixas meio presas. Maquiou-se, de modo suave, mas valorizando os olhos, muito verdes. A boca, carnuda, deixou-a com uma cor nude. Passou o melhor perfume que tinha. Olhou-se novamente no espelho: ainda faltavam os acessórios.

Pôs os pequenos brincos de diamante, presente do pai em um de seus aniversários. Lembrou-se de que Heitor demoraria mais do que ela para se aprontar e riu.

Logo, voltou sua atenção para a produção. Pensou em pôr um bonito bracelete de prata que tinha, mas achou exagerado demais. Fechou o armário e foi até a cama, onde havia deixado a caixa com os sapatos que usaria: sandálias brancas, ao estilo grego, com tiras que envolviam seus tornozelos. Sentindo-se pronta, pensou: *

// Meu guardião me espera. // ²

*E saiu do quarto a passos leves, a caminho do local onde o concílio se daria.*

* Começou a descer as escadarias muito vagarosamente, pronta a seguir pelas Casas Zodiacais. Pôde sentir a brisa matutina tocar-lhe o corpo, ao mesmo tempo em que o sol brilhava sem queimar-lhe a pele.

Pensou nas palavras que escrevera no convite, sincero, enviado aos convidados:

“Caros,

É de conhecimento de todos que a guerra se aproxima a cada dia, contra um inimigo poderoso e astuto. Convoco-os, portanto, a um Concílio.
Deixemos de lado a discórdia e a intriga por um dia; convido a todos para comparecerem ao Santuário de Athena, Grécia, no dia 3 de setembro de 2045, para que possamos juntos decidir nossos rumos e, por conseguinte, nosso destino. Peço que venham com mentes e corações limpos de desconfianças e ardis; trata-se de nossa sobrevivência.
Sem mais,

Ágatha Ghregórios
Athena.”

Tentou imaginar o que seria daquele dia. E nada lhe veio à mente... *

(descendo as escadarias)

* Daros nada respondeu¹. Ágatha sentiu-se constrangida por, num momento como aquele, pensar em sua situação com o cavaleiro de gêmeos. Que atitude tão egoísta era aquela de esquecer-se do real motivo do concílio para tratar de assuntos pessoais! *

// Como posso me dedicar a esses pensamentos enquanto uma guerra nessas proporções se anuncia? Estou eu perdendo a razão?! // - pensou, cerrando os olhos.

* Foi quando sentiu um cosmo diferente, nada parecido com o de seus santos. Abriu os olhos, devagar. Sabia que quem chegara, pela energia que emanava - mórbida, gélida até -, só poderia ser alguém do Hades. *

- É melhor seguirmos. Nossos convidados aguardam-nos.

* Disse, seriamente, ao geminiano. Passou a caminhar bastante rápido, sem esperar pelo cavaleiro, apesar do combinado. Ao passo que andava, a barra de seu vestido esvoaçava, dando ainda mais graça aos seus movimentos... *

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* A decoração era branca. Haviam arranjos de flores também. Mas quando Ágatha adentrou os pavilhões, não se concentrou nos ornamentos: atentou mesmo para as pessoas. Pôde ver os trigêmeos, Asashi, Hezequiel, Wedge... e ela. Uma moça muito bonita, de “olhos mutantes”, acompanhada de uma criatura que nunca havia visto, e que não saberia definir ou mesmo descrever.

Aproximou-se, devagar, e dirigiu-se aos presentes, um tanto encabulada: *

- Olá a todos...

* Fitou, então, a moça, e apresentou-se: *

– Sou Ágatha Ghregórios. Seja muito bem-vinda. – faz uma mesura – És a representante de Hades, estou certa?

Quando pisou pela primeira vez em território grego, Rögnvaldr fechou os olhos e respirou fundo. Quando o ar ateniense adentrou seus pulmões, memórias perdidas retumbaram em seu espírito. Memórias de um Odin que já esteve naquele lugar e que fez-se um habitante do sul por algum tempo. Tudo em nome de um ardil que não dera certo. Confiar em Loki custou-lhe muito caro. E tudo aquilo resultara em uma guerra terrível.

Quando a torrente de memórias foi-se embora, Rögnvaldr abriu seus olhos azuis. Ele é um homem nórdico enorme e possui curtos cabelos prateados. A face esquerda do rosto é tomada por uma terrível cicatriz. Na orelha esquerda, um brinco, de onde cai uma trança. Ele veste roupas pesadas - um calça cumprida e escura, uma camisa branca e um pesado sobretudo. Apesar do clima mais quente e das roupas, ele não se incomoda. Até o momento, Rögnvaldr preferira mostrar-se como um humano normal, que possui cosmo-energia irrelevante. Iria apenas se apresentar quando a pessoa que o convidou - Atena - surgisse para lhe receber.

Rögnvaldr se aproximou da concentração de pessoas e aguardou, em silêncio. Quando Ágatha se aproximou, uma sensação antiga e familiar, que pode ser descrita como um sopro de vento fresco em um dia de muito sol, ou uma reconfortante fogueira em um dia de muito frio. A mesma sensação que, no passado, fizera seu coração tremer.

Ao reconhecer Atena, Rögnvaldr decidiu manifestar sua verdadeira energia e fazer-se presente como ele realmente é. Sua energia é forte e transmite a impressão de que tudo é possível para aqueles que o seguem. Sua aura é gelada como os ventos do norte, mas, ao mesmo tempo, o inverno de sua energia parece gestar a primavera. Em seu olhar nasciam e morriam estrelas.

Palavras não são necessárias para a apresentação. Trata-se do deus dos deuses, o pai de todos, o caolho e astuto Odin.

Ágatha não se deixava levar pela aparência da criatura, mesmo que fosse estranha a seus olhos. Viu o ser desembrulhar um belo colar e ouviu as palavras de Kathleen, surpreendendo-se.

- É muita gentileza de sua parte, Pandora-sama. – sorriu, enquanto pensava se deveria ou não aceitar o presente. Se aceitasse, poderia passar por materialista; se, por outro, recusasse, pareceria grosseira...

Foi quando um homem enorme, de cabelos curtos prateados e com uma grande cicatriz no rosto, aproximou-se. Vestia-se de com roupas pesadas, típicas do povo...

// ... nórdico? Odin... Os deuses reconhecem-se logo, ao que parece... // - pensou, ao sentir a cosmo-energia do homem. Sua aura era ainda mais gelada que a da dama do Submundo; entretanto, diferentemente da moça, o homem que lhe transmitia uma sensação boa, que não soube explicar.

Com uma reverência, cumprimentou o recém chegado.

- Seja bem-vindo. – disse, simplesmente, mas com a voz muito firme.

"Seja bem-vindo", disse Atena, procurando demonstrar firmeza em sua voz. Naquele instante, Rögnvaldr estreitou os olhos e a encarou por um instante. Que formalidade era aquela? Onde estava aquela Atena com quem lutou lado a lado? Talvez estivesse insegura, ou talvez não tenha plenas recordações da guerra passada... Sobretudo, sentiu falta do sorriso. Naquele instante, ela parecia uma 'mera deusa' - se é que é possível falar assim. Uma posição. E não é o fato de que Atena é uma deusa ou o status de deusa que faz o seu coração tremer... Seria a atual Atena capaz de fazer o seu coração tremer?

Gélido como as tundras, Rögnvaldr retribuiu as boas vindas curvando a cabeça. Ele cumprimentou não só a deusa, mas também a representante do submundo e os demais cavaleiros, incluindo um que parecia estar armado e preparado para o combate (Daros).

Todavia, seu cumprimento para Vieno não resumiu-se a simplesmente curvar sua cabeça para ele. A todos os outros o cumprimento seguiu a simples formalidade imposta pela etiqueta. Mas Rögnvaldr não pode deixar de notar a surpresa dele ao vê-lo - surpresa que tentou ocultar com as mãos. Transpareceu por um instante - para além de sua posição como cavaleiro - o humano apaixonado pela cultura nórdica. No meio de toda a formalidade, finalmenet Rögnvaldr havia encontrado uma pessoa de fato.

E ele sorriu para ele. No seu sorriso, Rögnvaldr demonstrava que não era simplesmente um deus... O sorriso foi um sinal claro de sua humanidade, um sinal tão irreversível quanto o raiar do sol. Naquele instante, o deus dos deuses revelou-se um homem desajeitado, quase tímido, mas de timidez maravilhosa. O sorriso rompeu o gelo, e Rögnvaldr sentiu-se entre humanos.

Voltando-se novamente para Ágatha, Rögnvaldr diz em tom calmo: "Aqui estou, respondendo ao seu convite. Onde devo me posicionar?", pois não sabia se havia algum espaço reservado para ele, ou se poderia ocupar qualquer lugar. Ele observa os gláucos olhos da deusa, como se tentasse decifrar suas intenções e descobrir que tipo de pessoa ela é.

Observou o cumprimento de Odin aos presentes, e o seu sorriso a Vieno. E soube que algo lhe faltava...

// As terras geladas não afetam o calor do seu coração... //

Deixou de pensar em tais coisas quando o deus dirigiu-se a ela.

"Aqui estou, respondendo ao seu convite. Onde devo me posicionar?"

- Ah, não... não encare como um dever, por favor! – disse, sinceramente, tendo a voz mais gentil, pois tentava remediar a acolhida um tanto “tímida” de instantes atrás. Queria mostrar-se mais calorosa, mais solta, menos rude...

E fitou os olhos azuis de Rögnvaldr.

Eram profundos e, como os seus, carregavam as lembranças de muitos anos, milênios até... Entretanto, não pôde, naquele primeiro momento, decifrá-lo, saber suas peculiaridades. Seu olhar eram como o oceano: perigoso demais para os despreparados...

Inspirou profundamente, como alguém que perdeu o ar num mergulho muito longo. E procurou concentrar-se em encontrar um lugar para que Kathleen e Rögnvaldr se sentissem mais confortáveis.

Esquadrinhou os pavilhões e notou que, como houvera pedido aos trabalhadores, as mesas não diferiam em nada umas das outras; assim Athena requisitou, pois não queria que os guerreiros se sentissem diminuídos na presença de seus deuses.

- Ali me parece um bom lugar... O que acham? – perguntou à dama e ao senhor a sua frente no momento em que avistou uma mesa a direita de si.

Foi quando...

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Aprontou-se demoradamente. Vestia uma calça preta e uma camisa em tom verde escuro; sapatos também pretos e os cabelos, longos e azuis claros, soltos. Apesar de não ser mais tão moço, Heitor Ghregórios fazia uma figura muito bonita. Por fim, pôs o perfume e saiu, fechando a porta atrás de si.

Dirigiu-se até o local do Concílio a passos largos, pensando se Ágatha estaria bem. Não demorou muito para que chegasse e encontrasse muitos santos, os quais conhecera quando adentrou o Santuário acompanhado da filha.

- Olá a todos. – disse, dirigindo-se aos cavaleiros e dando-lhes um sorriso tímido. Sentia-se um tanto deslocado, incomodado até, em meio aos jovens.

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Foi quando avistou Heitor.

Ágatha iluminou-se. Pareceu outra quando pôs os olhos no pai. Era ela um sol muito fraco, entre nuvens, quando se dirigiu aos pavilhões; mas agora, ao ver seu porto seguro, demonstrou seu esplendor, como Hélio rasgando os céus num dia muito quente.

E sorriu, finalmente.

Heitor, então, aproximou-se a passos lentos, sério como de costume. Houvera percebido a presença de uma mulher muito bonita e de um homem enorme, que imaginou ser um deus, embora não soubesse distinguir qual. Cumprimentou, polidamente, os dois que mantinham contato com Ágatha.

- Milady... Senhor... É uma honra recebê-los. Sou Heitor Ghregórios, a vosso dispor. – disse, fazendo uma reverência a ambos.

Ao ver Atena e sua reação ante a chegada de seu pai, Rögnvaldr percebeu que Ágatha era muito jovem. Ele sorriu sutilmente, cumprimentando o senhor. "Não sou o seu senhor... Por isso, chame-me de Rögnvaldr". Quando fora olhado nos olhos pela deusa, não desviou o olhar; igualmente perdeu-se nos glaucos olhos da deusa. Sentiu vontade de tocar-lhe o rosto e sentir o calor da pele e reviver antigas memórias, mas conteve-se, temendo uma reação hostil dos cavaleiros - e tudo o que ele não precisava naquele instante eram hostilidades. "Nós iremos conversar com vagar, noutra oportunidade...", disse.

Ao ver o modo como Atena planejava organizar o concílio - diversas mesas espalhadas pelo recinto -, Rögnvaldr pensou se a jovem garota sabia como organizar um. Talvez a juventude a fizesse alguém um pouco atrapalhada para certas coisas - assim como o próprio Rögnvaldr é desajeitado em certos assuntos. Assim, sutilmente, sugeriu à deusa de olhos gláucos: "Atena... Este não é o melhor meio de organizar um concílio. Se desejas que seus guerreiros não se sintam diminuídos, exija uma única e enorme mesa onde todos podem sentar ao redor. Uma única mesa onde todos se sentam... Este é o sentido de um concílio"

"Nós iremos conversar com vagar, noutra oportunidade..."

Ágatha sentiu as maçãs do rosto queimarem.

// Esse olhar... essas palavras... //

A deusa deixou de pensar tais coisas quando ouviu Rögnvaldr dirigir-se a seu pai.

"Não sou o seu senhor... Por isso, chame-me de Rögnvaldr"

- Como queira. – disse Heitor, simplesmente, fazendo uma leve mesura. – Mas, mudando o rumo desta conversa... Ficarão parados aí? Não seria melhor que se dirigissem a algum lugar para darem início à reunião?

Foi quando, sabiamente, Odin proferiu tais palavras:

"Atena... Este não é o melhor meio de organizar um concílio. Se desejas que seus guerreiros não se sintam diminuídos, exija uma única e enorme mesa onde todos podem sentar ao redor. Uma única mesa onde todos se sentam... Este é o sentido de um concílio"

// Eu sou transparente para você? // - pensou Ágatha, fitando Rögnvaldr; tentava saber como ele entendera suas intenções. De fato, imaginava que as visões dele sobre o passado eram muito mais claras do que as suas...

- Você tem razão... Desculpem-me, não conheço muitas coisas da vida... – disse, parecendo não falar somente do Concílio - Talvez seja melhor que rearranjemos o lugar...

- Eu providencio isso. Nesse meio tempo, pedirei que tragam algo para beberem. Com licença.

Heitor afastou-se, lançando um olhar a mais para a dama do Submundo. Era uma mulher interessante, de fato... Perguntou-se o que alguém como ela fazia ao lado de Hades, mas não obteve resposta. Olhou também para Daros, que parecia incomodado com a “intimidade” entre os deuses. Mas nada disse; apenas o cumprimentou – não o houvera feito ainda -, num gesto com a cabeça.

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Enquanto Heitor providenciava a reorganização dos pavilhões, Ágatha percebeu que ainda não houvera dado uma resposta à “criatura” de Pandora-sama quanto ao presente da mesma.

- Ah, perdoe-me! – disse, voltando-se para o ser. – Que indelicadeza a minha!

Ágatha relutou um pouco, mas enfim decidiu aceitar a jóia. Fitando a dama do Submundo, disse, segurando o belo colar com a mão direita:

- Senhorita Kathleen, fico extremamente lisonjeada... Como poderia pagar-lhe esta gentileza?