O Concílio

Sentindo-se um pouco deslocado no local, Rögnvaldr procura rapidamente algo para fazer. Em Midgard está sempre fazendo alguma coisa - preparando o fogo, caçando, ou auxiliando aqueles que tem dificuldades em fazer o necessário para sobreviver. Todavia, no presente momento, ele é um convidado, alguém, a princípio, dispensado de fazer diversas coisas. Justamente isto incomoda o nórdico.

Após tirar o sobretudo e deixá-lo desleixadamente em qualquer lugar - pois trata-se apenas de uma peça de roupa insignificante no presente local, uma vez que não faz frio -, Rögnvaldr caminhou até Heitor e os homens que montavam o cenário do Concílio. Tudo para sentir-se menos deslocado...

Rögnvaldr pôs-se a auxiliar os homens e a carregar as coisas. Naquele instante, misturou-se aos trabalhadores comuns e dividiu com eles a labuta.

Ágatha viu Rögnvaldr afastar-se e ir ajudar os trabalhadores. Não era sua intenção fazer com que seus convidados fizessem esforço, mas ao ver que o homem sentia-se melhor entre os que labutavam não se opôs.

Notou que ainda tinha o presente dado pela dama do Submundo em suas mãos. Decidiu colocá-lo, então. Era uma peça realmente bonita...

Depois, pegou com cuidado o sobretudo deixado pelo deus de qualquer jeito e o dobrou, com esmero. Ficou de pé segurando-o, prostada ao lado de Pandora, a espera de que o local fosse rearranjado.

Heitor, por sua vez, percebeu a aproximação de Rögnvaldr e sorriu. Até esqueceu-se dos refrescos que havia prometido...

- Ah, parece-me que o senhor não tem medo do trabalho... Bem típico do seu povo.

Sim, agora se dera conta: falava com Odin, o deus do povo nórdico. Fez questão de enfatizar a palavra “seu” para que Rögnvaldr entendesse que ele o reconhecera. Não havia mais do que simpatia em suas palavras; Heitor conhecia pouco da mitologia nórdica, mas o que sabia já era suficiente para admirar o representante das terras geladas...

Voltando-se para a organização do local, Heitor e os outros trabalhadores, com a ajuda de Odin, ajeitaram as mesas de forma a deixá-las formando uma mesa enorme, onde todos poderiam estar reunidos.

- Bem, acho que terminamos, não?! – falou aos homens, que pareciam satisfeitos com o que haviam realizado.

Heitor olhou, então, para a filha. Ágatha aproximou-se do pai, um tanto insegura, ainda a segurar o casaco de Rögnvaldr.

- Podemos começar, então? – falou, num tom de voz baixo, mas firme. Não queria demonstrar o medo que sentia. Pobre... não desejava que as coisas saíssem errado, mas não tinha a mínima idéia do que diria aos presentes...

- Acredito que sim. – respondeu Heitor.

Logo, Ágatha virou-se para todos os convidados. Respirou fundo, e falou como seu coração a ordenava:

- Muito bem... Parece que chegou a hora. Peço que todos tomem os lugares que mais lhes aprouverem para darmos início a esta reunião.

Pareceu tomar mais coragem a cada palavra. Arriscou-se até mesmo a fazer uma brincadeira.

- Mas primeiro, acredito ser melhor que ceemos: sacos vazios não param em pé, não é mesmo?

E riu-se.

E pareceu tão meiga, tão delicada naquele sorriso...

Legenda:
- Fala
- "Pensamento"
Narração

O geminiano sorria com a brincadeira de Athena, porém percebeu algo de errado, em sua opinião. Passou os olhos por todos que estavam no local, certificando-se de tudo, ou quase tudo. Aproximou delicadamente sua boca ao ouvido da Deusa, olhando para os lados, afim de ninguém escutar o que iria falar.

- Não acho uma boa idéia dar iniciação ao concílio. – Sussurrou Daros, observando os convidados presentes. – Poucos chegaram, além disso, não há nenhum representante de Éfeso, Delfos ou Atlântida, creio que devemos esperar mais.

Rögnvaldr sorriu timidamente para Heitor. E citou a fala de um velho senhor que conhecera em Midgard, que sempre entrava em greve de fome quando era proibido - pelos filhos - de trabalhar: "Sem trabalho... Sem comida".

Após carregar as mesas sem muito esforço, cumprimentou os outros que ajudaram na labuta, mostrando-se apenas como mais um que se juntou a eles para carregar peso. Ao retornar para perto de Atena, ficou surpreso ao ver que ela havia pego e dobrado seu sobretudo. Trata-se de algo tão insignificante que não requeriria maiores cuidados... Ainda assim, Atena cuidara dele. Recuperando o sobretudo, Rögnvaldr curvou a cabeça em sinal de agradecimento, e tomou o seu lugar, procurando ficar próximo da deusa.

E começou a comer, pois, conforme a deusa dissera, iriam comer antes de ceiar. Não concordou exatamente com a ordem dos eventos, mas convinha deixar a anfitriã decidir como as coisas acontecem...

Ágatha percebeu o agradecimento de Odin com um sorriso largo. Parecia que estava “perdendo o medo” da presença do deus. Foi quando Daros aproximou-se dela, sussurrando-lhe:

- Não acho uma boa idéia dar iniciação ao concílio. Poucos chegaram, além disso, não há nenhum representante de Éfeso, Delfos ou Atlântida, creio que devemos esperar mais.

- De fato, Daros. – disse Ágatha, observando Rögnvaldr, que tomava um lugar perto de onde ela estava – Entretanto... – e pára de falar; digna-se apenas a mostrar ao geminiano, num gesto com a cabeça, que o deus já estava à mesa.

Ágatha, então, decidiu falar com seus santos primeiro, a fim de convidá-los pessoalmente à assentarem-se; desde que chegara, não tivera um momento com eles...

Falou, então, a Rögnvaldr, que se ausentaria de sua presença por alguns instantes, mas logo estaria de volta. Depois, virando-se para o cavaleiro de Gêmeos, disse:

- Daros, conversarei um pouco com os outros convidados. Você pode, por favor, fazer companhia à senhorita Kathleen? Percebo que ela está sozinha, à parte de tudo... – falou, observando de longe a bela dama.

E tocou o braço de Daros delicadamente, com sua mão direita; depois, distanciou-se. Aproximou-se devagar do grupo de santos que havia chegado antes dela ao Concílio. Fez uma pequena mesura e falou-lhes, sorridente, embora um tanto tímida:

- Desculpem-me por deixá-los tanto tempo a sós, sim? Como estão todos? - perguntou, interessada. - O que acham de nos sentarmos à mesa e beliscarmos alguma coisa? Talvez os outros convidados demorem ainda... – terminou.

"Senhora."

Ágatha admira os gestos delicados de Alli e lhe retribui com um sorriso meigo. Percebe também Hezequiel ao longe, e lhe lança um olhar sereno, como se o convidasse a se juntar aos outros.

"Comer? Já? A-achei que era só para os importantes..." @_@

- Bom... penso ser o mais correto, já que alguns convidados demorarão... não quero matá-los de fome! - responde, voltando-se para Aulis. Parecia que, finalmente, perdia a timidez.

- Importantes? Esse é um conceito bastante relativo, Aulis. Para Athena, por exemplo, importantes são seus santos... E para você? - pergunta, sorrindo.

Ágatha riu ao comentário de Wedge. Lembrava-se do retorno, quando o mesmo cavaleiro lhe tocara a cabeça, notando a sua [falta de] altura. E sentiu-se feliz por ser desculpada. Notou também o sorriso sincero de Asashi; estava de volta às cores, finalmente.

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"Os véus tinham-lhe ciúme. Outras, tinham-lhe inveja. E ao fitá-la os varões tinham pasmos sensuais."¹

Não era necessário ver o corpo de Séraphine para saber que era sensual. Mesmo escondendo-se sob o tule e a seda, Athena via claramente sua personalidade lasciva. Entretanto, a natureza passional não a fazia ruim: Ágatha percebia que, por detrás daquela lubricidade, a Alta-Sacerdotisa de Ófis também trazia dentro de si sentimentos mais amenos. Ficou a observá-la, em sua apresentação: a voz, maviosa, enchia-lhe de graça...

- É igualmente uma honra recebê-la, Séraphine de Ófis. Seja muito bem-vinda. – disse, reverenciando-a também, com um sorriso doce estampado na face. – Aceito, de muito bom grado, o presente, e me pergunto a melhor forma de retribuir a você e à sua Senhora a gentileza... – e toca, gentil, a mão que lhe estende a oferenda, enquanto a sua outra pousa sobre o presente.

Heitor, por sua vez, prostrado perto da mesa onde se daria o banquete, pensou consigo mesmo à chegada da moça:

// A Senhora das Feras testa os homens a todo momento... //

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¹ Manuel Bandeira, Estrela da Vida Inteira, p. 12.

- É um lindo presente, Séraphine; não há nada simples nele. Muito obrigada. – disse, fazendo uma mesura delicada à sacerdotisa. Estava realmente admirada pela nova jóia que recebera. – Importa-se se eu usá-lo em outra oportunidade? Não é prudente ostentar tanto... – disse, preocupada. Já usava o belo colar, presente de Pandora-Sama, e os brincos de diamante; seria demais usar ainda o diadema.

– Ah, sim, eu adoraria conhecer Éfeso! A honra será toda minha em conhecer os domínios de sua Senhora... – falou com sinceridade. Nunca havia saído de sua terra natal, Larissa. Seria uma boa oportunidade de conhecer outros caminhos, além de [re]ver Ártemis de perto.

- Então, meus queridos... o que acham de nos dirigirmos à mesa? – perguntou, voltando-se aos santos. Depois, virando-se novamente à sacerdotisa – O que me diz você, cara Séraphine? O momento da confraternização é uma boa oportunidade para que todos nos conheçamos melhor, não? – sorri.

Sorri ao comentário da sacerdotisa, e feliz fiquei ao ver que aceitava meu convite. Num gesto simples com a mão direita – a esquerda segurava o diadema – indiquei o caminho à Séraphine e aos santos, esperando que me acompanhassem. Pretendia primeiro apresentar a bela sacerdotisa à Dama do Submundo, que conversava com o cavaleiro de Gêmeos, antes de nos dirigirmos à mesa. Houvera deixado a jovem muito tempo em companhia de Daros, e talvez fosse melhor dedicar-lhe atenção primeiro.

Mas também havia outro motivo para não levar Séraphine diretamente a Odin: estava preocupada, tentando descobrir o que eram aqueles pensamentos que me vinham...

// Porque, se tentou me destruir, refez o seu pensar? O que é que mudou em seu peito? //

Lancei um olhar para Rögnvaldr. Durou um segundo apenas, mas foi possível a ele entender as dúvidas que eu tinha. Parecia que, finalmente, recordava-me...

Logo, percebi que já estava perto de Pandora e do geminiano. Voltando-me, então, para Séraphine, disse:

– Sacerdotisa de Ófis, quero apresentar-lhe à representante de Hades, Pandora-Sama. – e sorri, esperando que Kathleen se manifestasse. – E este rapaz ao lado dela é Daros de Gêmeos, um de meus guerreiros mais fiéis.

Daros não teve muito tempo para conversar com a Dama do Submundo. Esta apenas disse algumas palavras antes da chegada de Athena e a recém-chegada. O geminiano respondeu com um balançar positivo de cabeça para Kathleen, mesmo estando sem armadura.

Olhou para as duas lindas mulheres que se aproximavam. Seus olhos analisaram a sacerdotisa, com certeza aquela pele suave estava flexível suficiente para ótimos movimentos; um sorriso surge em seus lábios, uma luta com aquela mulher deveria ser interessante.

– E este rapaz ao lado dela é Daros de Gêmeos, um de meus guerreiros mais fiéis.

Essas palavras tocaram o dourado. Seus olhos se arregalaram, olhando para Ágatha. - "Mais... fiéis?" - Daros ficou perdido alguns segundos em seus pensamentos. Tinha que cumprimentar Seráphine e ficou paralisado, sem ter nenhuma reação.

Rögnvaldr comia e articulava os seus pensamentos. 'Seria bom se o Concílio começasse...', pensou. A comida grega não lhe agradava tanto assim: comia apenas porque era um convidado e porque não convém negar a comida que o anfitrião lhe oferece. Desejava não a comida, mas sim o começo e o fim do Concílio, para então poder questionar Atena.

O nórdico notou que a grega o observava e o olhar estava permeado de dúvidas. E Rögnvaldr ponderava: num momento como esses, Atena deveria estar considerando a posição de Odin, se deve tratado como o nobre Pai de Todos, ou como um deus vil e inimigo do Santuário. Determinar qual é a natureza da atual Atena era uma dificuldade que precisava ser superada, a fim de evitar um mal entendido. E isto é a última coisa que se quer em uma guerra...

Alguém poderia perguntar: qual é a natureza de Odin? Uma resposta simples diria: Odin é guerreiro e astuto, e deseja dominar todas as coisas. Todavia, a resposta é ingênua como o viajante que desconhece a súbita virada do tempo, ou do caçador que imagina que sua caça irá se render sem uma luta... Odin é como um grande oceano iluminado por navios em chamas, cujas águas são o sangue de guerreiros assassinatos em combate. É um deus da guerra, forjado na guerra e pela guerra. Todavia, seus ouvidos estão cheios dos urros e gritos de nações conquistadas e de suspiros pelas terras e lutas esquecidas. Em seu coração estão enterrados, sob montanhas de beijos murchos, milhares de amantes, a maioria deles adversários de guerra.

Odin é o astuto deus da guerra. E, apesar disso, não coleciona inimigos. Possui adversários, mas não inimigos. Não quer o mal de seus adversários, pelo contrário: deseja que sejam tão fortes quanto possível, para derrotar-los em batalha e erguer-se ao topo da hierarquia divina. Como pode alguém superar a si mesmo sem o impulso concedido por um adversário? O último Odin entendia isto, e estava preparado para fazer um sacrifício: iria tornar Atena - aquela que fazia seu coração tremer - em sua adversária. Não seria Atena a oferecida em sacrifício, mas os sentimentos nutridos pelo Pai de Todos. Todavia, não quis o destino que isto acontecesse...

Rögnvaldr tem uma dúvida semelhante à de Atena. Seria ela capaz de compreender sua perspectiva e natureza, ou ela o tomaria invariavelmente como inimigo? Disse certa vez um ancião: a dúvida paralisa o coração, cessando o bombeamento de sangue e a vida. E Odin conseguiria compreender que Atena poderia tomá-lo como inimigo, pois ela, sendo filha de um outro deus e possuíndo natureza distinta dele - assim é que contam as histórias -, não é obrigada a possuir o mesmo impulso guerreiro.

Ao contrário da deusa de olhos glaucos, o nórdico não revela suas intenções ou dúvidas, como se ocultas por uma expessa cortina de neve. Aparentava completa segurança e certeza. Astuto, ele oculta seus desejos. Naquele momento, Atena revela-se pouco astuta, por permitir que seu olhar traduza o seu ser. Todavia, apesar de pouco astuta, muito bela... Ele inclusive sorri de volta para a deusa, e continua a comer e observar as pessoas. Ao dar-se conta de que ali estavam as representantes de Hades e Ártemis, notou algo curioso: não tinha muitas memórias acerca destes dois deuses...