Encontro marcado - Ágatha e Rögnvaldr

Rognvaldr escreveu:

Rögnvaldr treme. Será por causa do frio?

(Morri, huahuaha)


Ágatha senta-se novamente sobre o travesseiro, ainda um tanto encabulada, e escuta com atenção; mas seus olhos estão concentrados nas mãos de Rögnvaldr, que habilmente fatiava o preparado. Chegou a sentir certa inveja: no Santuário, jamais permitiriam que ela usasse seu tempo para realizar tais atividades. O único trabalho que Ágatha consegue fazer, longe dos olhos que a protegem e ao mesmo tempo a vigiam é a tecelagem, a que dedica algumas horas de sua madrugada.

- É bom que tenhamos essas surpresas para nos lembrarmos de que sempre podemos cometer erros ou ser pegos em armadilhas que nós mesmos criamos. - diz ela, sinceramente. - É bom que o nosso coração doa para não nos sentirmos tão afastados daqueles que nos protegem e a quem devemos proteger.

Depois de se servir e comer um pouco - e de achar que Rögnvaldr é um belo cozinheiro, em todos os sentidos que a frase pode ter -, percebe que ele treme. Ela pondera se deve convidá-lo a ficar a seu lado, debaixo do confortável cobertor; temia ser mal-interpretada, mas também não queria deixar seu anfitrião à mercê do frio.

- Você está com frio? Quer... erm... vir até aqui? - termina, num tom meio ansioso.

Rögnvaldr coloca mais lenha no fogo e sopra a chama, para alimentá-la. E então mistura-se com Ágatha debaixo do cobertor, ainda a tremer. Num local onde faz frio, não há aquecedor e apenas um cobertor, o melhor método para manter o calor no corpo é o contato humano.

"- Será que conseguirei transformá-la em adversária quando a hora chegar? O destino dos deuses é estar juntos, seja no frio de uma barraca, seja no campo de batalha... E você? Como fará quando a disputa pelo mundo começa? Está disposta a ser uma guerreira?"

Com as perguntas, Rögnvaldr procurava compreender como ela via o próprio fato de ser a deusa da justiça, e medir finalmente se Ágatha é apenas uma jovem garota ou se é um pássaro disposto a realizar vôos maiores. Para Rögnvaldr tudo era claro: dar o mundo aos seus é o modo como Odin homenagearia e testemunharia seu amor por seu povo. Desta forma, não há qualquer maldade em sua guerra. E quanto mais poderoso o adversário, mais valorosa é a conquista. A dificuldade reina em não conseguir transformar a adversária em adversária...

- Seria cruel de minha parte abandonar aqueles que me protegem, abandonar a minha pátria, no momento em que eles mais precisarem. Estou disposta, mas sei que há ainda muitas coisas em mim a despertar. A vontade guerreira está aqui dentro; na hora certa, sei que ela se apresentará.

Ágatha começa, visivelmente constrangida com a situação e com as perguntas. Mas não chega a se esquivar nem de Rögnvaldr nem dos questionamentos.

- Quanto a você me ver como sua adversária... essa é uma questão que só você pode responder, de acordo com os juízos que faz a meu respeito. O que posso dizer é que por hora não vejo motivo para que me entenda como adversária. Mas a guerra muda tudo, e ela ainda não começou, então...

"- Não me entenda mal: eu desejo uma adversária, não uma inimiga. Seria uma honra disputar o mundo com você. E, se isso acontecesse, desejaria que você fosse tão forte quanto possível. Este desejo existe nas profundezas do meu ser... Uma adversária digna, que me ajude a me transformar no maior de todos"

"- Mas não sei se compartilha da mesma visão. As memórias e os sentimentos antigos me deixam confusos sobre o que fazer. Talvez somente Odin seja um ardente amante da guerra..."

Rögnvaldr silencia.

- Humm... sei a que refere. Ganhar de um adversário fraco não lhe dá créditos; contudo, vencer de alguém tão poderoso quanto você... Não sei se posso alcançar tal nível, mas sendo testada prometo que darei trabalho. - recomeça, um sorriso de canto de boca se formando.

- Athena, de certa forma, pensa o mesmo. Sendo a deusa que é, não considera a guerra má de todo, muito pelo contrário; serve para mostrar os aptos e os não aptos, para separar os covardes dos grandes homens, e para revelar os grandes deuses. Mas se você fosse perguntar a Ágatha, ela diria que as batalhas lhe dão agonia, principalmente por ter de ouvir depois delas os lamentos daqueles que ficam desolados, sozinhos, agonizando...

Ágatha suspira, como que se recordando das vezes em que escuta os pobres homens e mulheres que clamam por Athena, sem lar, sem comida. Sem nada.

Rögnvaldr segura suavemente uma das mãos de Ágatha. E lhe pergunta: "- Essas mãos pertencem à Ágatha ou Athena?"

"- É que você continua insistindo na diferença entre Ágatha e Athena. Tenho certeza que a deusa também desgosta das desgraças. Talvez vocês sejam mais parecidas do que pensamos", disse, com um pequeno sorriso.

"- Ainda existem feridas expostas aqui em Midgard. Foram os primeiros locais avassalados por Loki. Se quiser vê-los, podemos fazê-lo amanhã", sugeriu.

- Talvez... - diz, também esboçando um sorriso.

- Podemos, sim. Gostaria de ver por quais problemas você e seu povo tem passado. A situação em Rodorio também não é nada animadora... talvez um dia você possa ir conhecer a vila comigo.

"- Certamente. Mas, primeiro, desejo conhecer você. E desejo que você me conheça, e conheça o lugar onde vivo. Quando estivermos satisfeitos, visitaremos o que desejar"

Ele faz silêncio e fecha os olhos, mas ainda continua acordado. E contempla o fogo a queimar a madeira. Talvez Ágatha fosse mais do que pensava. Ou talvez a primeira impressão é um retrato fiel dela. Decidiu que é melhor deixar que ela se mostre, ou que ela decida não se mostrar.

A situação dos dois é embaraçosa e sugestiva. Mas, sempre sóbrio, Rögnvaldr mantém-se centrado. Não forçaria mais do que já forçou, ou provocaria mais do que já provocou.

"- Não sei. As mesmas coisas, talvez? Não acho que exista vida melhor que esta. Se sinto frio, caço um animal e uso sua pele para fazer um casaco. Se sinto fome, posso caçar e preparar algo para comer. Se desejo fumar algo, posso colher as melhores ervas e fumar enquanto observo as estrelas. Se quero beber, posso trocar o excedente da caça por bebida na cidade. Tenho tudo o que preciso, posso fazer o que quiser e não há ninguém dizendo como devo fazer as coisas. Por que iria desejar outro tipo de vida?", perguntou, deixando de olhar para o fogo, voltando os olhos para Ágatha.

"- E você?"

- Não sei bem. Acho que, para começar, se não fosse também Athena minha vida teria sido muito diferente. Teria ido à escola, e não ficado trancafiada em casa. Teria amigos, não apenas protetores. Teria gasto parte do meu tempo pensando em coisas menos profundas, sendo ignorante para sofrer menos. Não que eu não goste da vida que levo, mas tenho responsabilidades muito grandes que não me permitem fazer certas coisas. Talvez eu me dedicasse à tecelagem, que amo tanto. Não tenho certeza. - responde, fitando Rögnvaldr.

"- Eu vou lhe confessar uma coisa. Parte da primeira impressão que tive de você era o de uma garota presa. Eu só não conseguia medir se essa era a vida que desejava ou não. E ficava imaginando como seria se, subitamente, você se visse longe do seu mundo, num lugar completamente outro, e com companias outras", disse, esperando que ela não se ofenda com sua impressão inicial. Pois impressões iniciais são sempre assim: iniciais, superficiais...

- Às vezes eu também me pego pensando nisso, em como seria viver de uma outra forma, sendo mais "dona do meu nariz" divino e humano. - confessa, esboçando um sorriso. - Mas ao mesmo tempo, também me recrimino por ser tão egoísta. As pessoas se doam tanto por e para Athena que eu me envergonho de pensar em mim mesma ao invés de pensar nessas pessoas.

Ágatha ri, por um instante lembrando-se de que, a pouco, Rögnvaldr cozinhara.

- Me parece uma boa idéia; vamos ver se funciona... Embora eu acredite que, uma vez livre, não vá querer voltar à gaiola... Mas e quanto a você? Não sente falta de ter alguém por perto? Ou de ser protegido, para variar?

"- Bem, eu sou um deus, então sou eu quem devo proteger as pessoas, e não o contrário. E não é como se eu não permitisse que as pessoas se aproximassem ou buscasse insistentemente por solidão. Se quiserem, eles podem estar ao meu redor - e muitos estão. Eu apenas não exijo ou demando isso deles. Desde que sejam verdadeiros, até o ódio das pessoas é bem vindo"

Rögnvaldr ri de leve. "- Eles dizem que sou muito sério, que não consigo me soltar nem bebendo bastante, e que estou sempre trabalhando em alguma coisa ou perdido em divagações. Muito 'metafísico', eles diriam. Uma mulher já disse que fico observando as estrelas e esqueço de olhar para o buraco bem na minha frente. Bem, isto sou eu"

Rögnvaldr come mais.

- De fato também eu o vejo desta forma. Sempre bastante sério, muito compenetrado e solitário, mesmo tendo uma multidão ao seu lado. Talvez seja esse permitir-se estar sozinho que o faça divagar tanto... Se bem que eu não vejo problema algum em divagar. Acho interessante observar as feições das pessoas enquanto se dão a esses momentos. - diz, sincera, esboçando um leve sorriso. - Mas talvez esses momentos que agora compartilhamos possam servir para mudarmos nossas visões a respeito um do outro. Ou para confirmá-las. Vamos ver...

Rögnvaldr segue a tremer. A noite é fria... E, apesar disso, em momento algum Rögnvaldr recorre ao seu cosmo para tornar as coisas mais confortáveis. Como se fizesse questão de atravessar a noite fria tal como um humano atravessa. Ele segue a falar, mudando o assunto para não deixar a conversa morrer, mesmo que aguardando o próximo dia, onde mostraria mais da terra para Ágatha.

"- Se fechar os olhos e se concentrar nos ouvidos, ouvirá ao longe a respiração de um urso. Deve estar hibernando aqui perto", disse, despreocupado.

- @.@'

Ursos? Hibernando? Certamente essas são duas coisas que Ágatha não conhece. Além do mais, achou engraçado Rögnvaldr comentar aquele assunto. Poderia falar sobre qualquer coisa, perguntar algo a ela... "Acho que agora compreendo inteiramente o que a tal mulher disse sobre buracos e estrelas e...", pensa.

Depois percebe que Rögnvaldr ainda treme. Sem saber muito bem porque, pega uma de suas mãos e segura entre as suas, como se quisesse aquecê-la. Não adiantaria muito, porque suas mãos eram pequenas demais para tapar mesmo os dedos dele, mas ainda assim era um gesto... fofo.

- Ah, você está congelando! - fala divertida, sentindo a temperatura dele.

"- É o que acontece quando a noite é fria. Se fôssemos irmãos, a essa hora da noite já estaríamos abraçados embaixo do cobertor", disse.

"- Se você se concentrar mais e ir além do ronco do urso, você vai ouvir o vento se deslocar e sacodir as folhas das árvores. Ele uiva feito um lobo...", sussurou, como se evitasse falar mais alto para que ela pudesse ouvir. Na hora, instintivamente, segurou gentilmente - a gentileza que é permitida a alguém como ele - a mão de Ágatha.

Ágatha cora novamente, ainda mais violentamente do que antes. "Ok, onde é que eu me enterro?", pensa ela, sem prestar muita atenção nas outras frases proferidas por Rögnvaldr. Fica imaginando o que poderia acontecer num momento como aquele se estivessem na Grécia. Com certeza aquela aproximação toda geraria muitas caras amarradas, só para começar. Talvez ele estivesse tendo tais liberdades por estar em seus domínios e, principalmente, por estar a sós com ela. Não que a moça entendesse suas atitudes com malícia, mas sabia perfeitamente que em qualquer outro contexto aquilo pareceria mal intencionado. De todo modo, ainda assim sentia-se envergonhada, o que talvez tenha se maximizado quando sentiu sua mão ser segurada pela dele.

- Perdoe-me, acho que me perdi em seu raciocínio... - diz, tentando concentrar-se novamente na conversa.