Encontro Marcado - Kitana e Blake

"I've become so numb
I can't feel you there
I've become so tired
So much more aware"

Blake caminhava despreocupado pelas ruas da movimentada cidade, de vez em quando olhando uma vitrine interessante, de vez em quando lançando um olhar enigmático para a Lua, de vez em quando desviando o olhar para as pessoas que passeavam à sua volta. Vinha de uma feliz reunião e obtera ótimos resultados pessoais; estava, portanto, relaxado, em paz, e se dava ao luxo de ouvir música no último volume. Os fones pretos contrastavam com a regata preta e iam até o bolso da frente da calça bagging camuflada, conectados ao iPhone do inglês. Sim, ele era um cavaleiro de Apolo, mas também era humano, e, portanto, sujeito às tentações da era tecnológica.

Os cabelos louros se moviam levemente à brisa noturna, e as luzes da cidade realçavam o roxo vivo em seus olhos. Estava satisfeito consigo mesmo. Conseguira acalmar os ânimos e, de quebra, fora para a cama com um lindo grego de olhos azul-royal. Ótima maneira para começar a noite, huh?

"All I want to do
Is be more like me
And be less like you"

Tocava uma bateria imaginária enquanto caminhava, parando um segundo para admirar uma tapeçaria exposta numa vitrine. Quando voltou a caminhar, entretanto, não pôde acreditar no que via. Retirou os fones e se encaminhou a ela, gesticulando com os braços.

- My, my, my! Achei que não viveria o suficiente para vê-la de vestido curto!

Ajoelhou-se e beijou a mão da Pitonisa delicadamente, levantando-se e encarando-a com o típico sorriso malicioso no rosto. Pouco se importava com os comentários alheios - há muito esquecera o que era sentir vergonha.

- Que os deuses me tirem a audição, então, se em troca eu possa vê-la em roupas curtas com mais frequência!

Blake sorria abertamente, e por um momento a malícia sumiu de seu rosto: era, então, apenas um jovem inglês, feliz em ver uma pessoa muito especial. Mas, é claro, logo o brilho típico voltou aos seus olhos.

- Problemas surgiram, e me foi pedido que viesse com urgência tratar de resolvê-los. Atanásia disse que não havia problemas, que poderia cuidar de tudo sozinha, então aproveitei e me diverti com esse grego de lindos... Hm. Não acho que milady queira saber dos detalhes. Right?

Piscou-lhe o olho e ofereceu-lhe o braço, a outra mão estendida numa menção de segurar as sacolas que Kitana carregava.

- Anyway. Para onde vamos?

- Você deveria sair mais vezes de Delfos. - comentou, enquanto pegava as sacolas e começava a caminhar ao lado da Pitonisa, um tanto saltitante. - Não faz bem respirar o mesmo ar por tanto tempo. Acabamos esquecendo como é o mundo lá fora. Bom, não sei quanto a você, mas eu definitivamente odeio a ideia de viver num mundo limitado aos Tesouros.

Pensou em segurar-lhe a mão ou mesmo pegar seu braço a força, mas logo se conteve - por mais incrível que parecesse, respeitava Kitana, portanto não tomava liberdade alguma.

- Vamos tomar um café?

- Oh, eu não quis ofendê-la - aqui, este café parece ótimo -, de modo algum, Pitonisa - abriu a porta para ela e fez uma mesura, esperando que ela entrasse primeiro.

O local era aconchegante, decorado em suaves tons de vermelho; haviam apenas três mesas sobrando, e Blake escolhou uma na parede, à janela; o cheiro de café, pães e doces pairava deliciosamente, dando água na boca, e o ar-condicionado amainava o calor grego.

- Apenas acho que, justamente como representade de nosso Apolo, você deveria ser a que mais conhece do mundo - continuou falando, enquanto puxava a cadeira para que ela sentasse. - Mas não entendo muito disso, anyway. Você fica tanto tempo trancada no Templo que mal a vejo.

-Já eu nunca tive a oportunidade de estudar tanto assim sobre o mundo. Tive de aprender sozinho, na prática. Invejo você.

Sorriu, e pegou um menu também. Analisou-o por alguns instantes, cantarolando baixinho, e o fechou em seguida.

-Vou experimetar o capuccino deles. Está com fome? Podemos dividir alguma coisa. O sonho parece delicioso.- pegou o iPhone, lembrando-se, subitamente, de desligá-lo - E eu duvido que exista nesse mundo alguma substância capaz de deixá-la com uma aparência ruim, quais quer que sejam as circunstâncias. - disse, num tom calmo e firme, pondo o aparelho de volta no bolso e em seguida encarando-a nos olhos, o roxo exótico brilhando fortemente.

Blake sorriu. Sempre achara intrigante o modo como ela ignorava seus comentários sem pestanejar. Poucas eram as pessoas capazes de não se submeter àqueles olhos roxo-acizentados.

-Excuse me? - chamou uma das garçonetes, que, ao ver o loiro, correu para servi-lo. - Gosta de chocolate, certo, milady?

Fez os pedidos e esperou a atendente parar de encará-lo e ir embora antes de olhar Kitana novamente. Passou a mão pelos cabelos rebeldes e pousou-a na mesa em seguida, inclinando-se sutilmente para a frente. Adorava contar histórias!

-Ah, Kitana, eu fiz muitas coisas nessa vida! Já fui garçom, ator, contador, músico, trabalhei em fábricas de brinquedos, indústrias de manteigas, fazendas... E também já fui batedor de carteira, traficante, mafioso, assassino de aluguel... à medida que citava as inúmeras ocupações, gesticulava em mímica, fingindo tocar um violão ou apontar uma arma. Queria fazer a Pitonisa rir. - Desde os dez anos me viro como posso. As ruas do mundo podem ser perigosas para crianças, mas são igualmente educativas, you know. Aprendi a me defender, a somar e a subtrair, a atirar, a reconhecer aliados e inimigos. Sofri muito, sim, e ao mesmo tempo descobri coisas que jamais poderia saber de outro modo. Apolo me guiou por caminhos sombrios, mas, no final, atingi a luz!

Fez um gesto dramático no final, abrindo bem os braços, chamando a atenção de algumas pessoas no café. Teria continuado a falar, alheio aos outros, não fosse a chegada da garçonete.

-Oh. Forgive me. Exagerei, não foi? - coçou a cabeça, não envergonhado, e sim temeroso de que a pudesse ter irritado de alguma forma, e meneou a cabeça meio sem jeito quando a mulher - de maquiagem tão extravagante que o assustaria, se fosse um tanto mais inocente - lhe lançou olhares significativos nada discretos antes de ir atender outras pessoas.

Blake sorriu, observando-a atentamente, procurando não desviar o olhar. Notava cada músculo que movia, cada olhar que lançava - inclusive o que foi na direção da garçonete -, e os anotava mentalmente. Observou como ela bebeu do chá e viu sua mão pousar na mesa. Pensou em pegá-la; de fato, seus dedos ficaram a centímetros dos dela; mas se conteve e desviou o olhar, tentando pôr a mente em funcionamento. Há quanto tempo não precisava efetivamente cortejar uma mulher?

- Não sei se é certo me gabar de minha histórua peculiar, mas mesmo assim, obrigado. - sorriu novamente, e bebeu um pouco do cappuccino, deliciando-se com o aroma e o sabor. - Sweet! Sonho? - cortou metade do doce e ofereceu a Kitana, juntamente com o prato, enquanto ficava com a outra metade, que pousou no guardanapo. - Achei ter pedido que ela trouxesse dois pratos...

- Mas e quanto a você, milady? Importa-se de contar sua história para este humilde Anjo?

Até o final do relato, Blake não tirou os olhos de Kitana. O roxo exótico brilhava, com pouca ou nenhuma malícia, realmente absorto nas palavras. Bom contador de histórias que era, também adorava ouvir.

-Aposto que surpreendeu seu mestre, assim como deve surpreender a todos à sua volta, mais e mais a cada dia! - bebeu mais um gole do cappuccino e limpando a boca com um outro guardanapo, sem tanta elegância quanto a Pitonisa, obviamente. - Algumas palavras que usou me são estranhas; fora isso, pude compreender sua história e, consequentemente, entender melhor você, Kitana. Entretanto, há algo de que não gosto em seu tom. Não sei se sente vergonha de mim, ou se há algo que não quer me contar, mas - sem conseguir mais se conter, segurou ambas as mãos da mulher com uma firmeza delicada, olhando-a diretamente nos olhos - nunca, jamais, deve se referir ao seu passado como "não tão incrível". É a sua história, que faz grande parte do que você é; qualquer detalhe, por mais ínfimo ou catastrófico que seja, contribuiu para que você se tornasse a mulher que é hoje. Mesmo que não tenha tido a adrenalina das ruas correndo por suas veias vinte e quatro horas por dia, só o fato de ter vivido até aqui deveria ser o suficiente para que se gabasse a todos que possam ouvir!

Tomou fôlego e sorriu, sem largar suas mãos - Estamos entendidos? - e piscou o olho.

[dramááááático...]

Blake não respondeu; ficou fitando o próprio pedaço de sonho, como se algo nele subitamente fosse a coisa mais importante do mundo. Sentia que ela bebia o chá gelado e comia o doce, entretanto não se atrevia a olhar para cima. Too soon, too soon, pensava ele. Quando finalmente o fez, viu ela limpar a boca no guardanapo pela última vez, e finalmente tomou coragem.

-Eu poderia lhe mostrar um pouco das vastas experiências de minha vida em si... - parou, esperando a fala fazer efeito, e depois deixou escapar um suspiro longo, passando a mão pelo cabelo loiro repetidas vezes. - Sorry. Exagerei novamente, não é?