O Treinamento: Parte 1 - Quest do Zé

Oh sim, o dia seguinte... se não era o que os aspirantes pensavam eles não deveriam estar ali.

O sol não havia nascido e eles já estavam prontos, botas de couro, roupas de algum tecido não muito bom, e as armaduras de couro, capacetes, para os interessados. Zeno os esperava distante de qualquer lugar que eles já foram ou já ouviram falar, perdido ao sul do Santuário, um campo aberto, espaçoso, com ruínas e construções bem antigas; pilastras, casas, fontes, muros e estátuas de deuses, heróis e guerreiros de armas em mãos.


“Aqui vocês vão suar, sangrar, e chorar.” Falou de costas para seus pupilos. “Não haverá, desculpas, não haverá ajudas, se você é mulher, ou se você é homem. Se é um aspirante a Santo de Bronze, ou de a Santo de Ouro.” Virou-se com um semblante sério e decidido. “E como não haverá desculpas, Mitsuki e Marina, tomem” Jogou delicadamente as mascaras, esculpidas a mão por algum hábil artesão. “Vocês não estarão fora das Leis deste Santuário”.


“Bom, agora falarei sobre mim: Me chamo Zeno, tenho 16 anos, e sou Santo a quase 4 anos. Treinei com um homem que já faleceu. E esse homem me ensinou o que eu sei. E quando eu morrer, vocês terão orgulho do seu treinamento assim como eu tenho orgulho do meu.” Caminhou lentamente a frente de seus pupilos.

“Até hoje, vocês treinaram, mesmo sendo apenas crianças, treinaram. Não, vocês não treinaram, se acharam aquilo duro, vocês vão morrer aqui. Vou tirar de vocês até a última gota de suor e vontade. Este local será o inferno, e eu serei o Diabo de vocês. O sofrimento de vocês no final do dia será minha alegria.” Falava enquanto o céu parecia concordar, bradando trovoadas azuladas.

“O que nos esperar, é escuro como a noite e quente como o sangue, a partir de agora eu sou seu inimigo, e farei de tudo para acabar com vocês. Seu dever, é apenas sobreviver” Seu rosto calmo a cada clarão parecia tornar-se a visão da besta.

“Me chamem de Mestre.” Olhou para aqueles que se desentenderam no dia anterior. “Vocês vão correr, até eu disser que devem parar, e cada um deve carregar consigo uma pedra de 50kg. Se pararem eu vou entender como desistência, e todos pagarão. Todos vocês, agora. Comecem!” Gritou e trovões azulados caíram a volta de todos.


“É apenas o primeiro dia garotos, não há como escapar,vão ter que aprender.”

Mitsuki limitou-se a engolir em seco. Tentava ignorar a imponência das estátuas à sua volta - deuses e herois antigos, todos aparentemente fitando-a com seus olhos de pedra, julgando-a antes mesmo do treino começar. Assim como no dia anterior, chegou no local tremendo da cabeça aos pés, cabisbaixa, temendo tropeçar em seu próprio medo. Seu peito estava tão apertado que quase chegava a ser insuportável. Quase. Apesar da pouca idade e da aparência frágil, ela era forte e determinada, e faria tudo por sua Deusa. Chegara até ali, lutara para ser uma das poucas amazonas de Athena; não podia fraquejar. Devia mostrar firmeza, provar a todos que era capaz. Ninguém nunca mais riria dela.

Com essa nova onda de força de vontade, Mitsuki respirou fundo e levantou a cabeça, encarando os olhos maliciosos da estátua de Ares bem à sua frente antes de seguir adiante. Não demonstraria mais o medo que quase fechava sua garganta. Com certeza todos ali também estavam assustados, receosos, mas nada diziam ou faziam a respeito. Apenas o engoliam e seguiam em frente, crentes num futuro de feliz servidão. Sim. Ela conseguiria. Honraria o nome de sua família sendo a primeira a conseguir uma armadura e, acima de tudo, serviria Athena com sua vida. Nada a impediria!

Quando Zeno parou de falar, a garota mordia tão forte o lábio inferior que este sangrava. Segurava a máscara na mão e a fitava com o cenho franzido, o reflexo do próprio rosto encarando-a de volta do metal. Esquecera-se completamente dessa condição. Mas não hesitou mais; esmagando de vez o pesar em seu coração, virou-se para seus companheiros de treino e sorriu para cada um. Era a última vez que eles veriam seu rosto - a imagem não poderia ser triste, certo?

- Guardem bem o meu sorriso! - disse aos outros, tão docemente quanto conseguiu.

À sua frente, uma pedra de 50kg. Todas as estátuas pareciam fitá-la, reprová-la, zombar dela. Sentia também os olhos do Mestre em sua nuca, mas não se virou para olhá-lo de volta. Sem dizer nada, colocou a máscara e, com um trovão a ecoar por todo o campo, dirigiu-se à pedra, segurou-a firmemente nas costas, curvando-se um pouco e colocando as duas mãos embaixo como apoio.

E começou a correr.

Zeno observou impassível a atitude de Mitsuki. E seu rosto nada demonstrava, mais incógnito que as próprias estátuas a sua volta. Talvez não ligasse, ou simplesmente não demonstraria nenhum sentimento propositalmente.

A garotinha, pos sua mascara no rosto, e seguiu em direção a rocha. Zeno observa com atenção, e seu olhar penetrava a menina.

A pedra era pesada para um homem normal, mas para a aspirante, talvez, fosse mais leve. Isso só dependeria dela.

“Agora corra” Falou Zeno, com uma voz sem emoções.

Enquanto a menina começa a correr, Zeno a acompanha na mesma velocidade.

“É só isso que você vai fazer?” E riu sádico. “Correndo assim, como você vai escapar se te atacar?!”

Se não estivesse ocupada correndo enquanto carregava uma pedra de 50kg nas costas, Mitsuki teria franzido o cenho para seu Mestre. O que ele esperava? Que ela atingisse o oitavo sentido, por um acaso?

Pensou em respondê-lo, mas precisava preservar seu fôlego se não quisesse ser a que falharia do grupo, então decidiu continuar olhando para a frente e se concentrar na própria respiração. Podia sentir o olhar fixo de Zeno em si; ouvia seus passos a seu lado e sentia sua presença bem próxima, entretanto não podia se distrair olhando-o ou acabaria caindo. Seus bracinhos de criança já doíam, mesmo tendo começado a correr há pouco, e ela sentia que qualquer deslize poderia ser fatal. Seu coraçãozinho pedia para parar - ele batia acelerado, e comprimia o peito da garota -, mas ela respirou fundo e continuou em frente, acelerando um pouco mais o ritmo. Não gostara do tom do Mestre, e provaria que poderia muito bem alcançar e até superar as espectativas dele.

Zeno podia não demonstrar, contudo percebeu o empenho da menininha. Continuou a acompanhá-la até colocar sua mão na pedra, bem acima de cabeça de menina.

“Pode parar de correr, apenas quero que se mantenha parada, não ceda.” E então começou a forçar a pedra para baixo. Inicialmente com pouca forçar, queria mediar a resistência da garotinha, mas em seguida aumentou.