O vilarejo de Utgard

"Os costumes antigos mandam que os visitantes devem fazer um juramento de paz e lealdade ao Demônio de um Braço enquanto estiverem em nossa cidade. Deste modo, enquanto estiverem em nossa casa, serão nossos irmãos e estarão protegidos", disse a Völva aos recém-chegados que estão nos portões. Os dois guardas se preocupavam em barrar o caminho a quem não prestou o juramento e a convidar para dentro aqueles que prestaram o juramento.

Do lado de dentro, Kazhada e Rögnvaldr continuam a conversar. Não é difícil distinguir o Demônio de um Braço entre os demais: trata-se de um homem enorme, que possui apenas um dos braços - o lado esquerdo de seu corpo é encoberto por uma capa - e tem preso às costas uma enorme espada, que a maioria das pessoas não conseguiria erguer. Ele e Rögnvaldr conversam silenciosamente. Em alguns momentos, o Demônio de um Braço até gargalha, contrastando com o sempre contido e silencioso Rögnvaldr.

Próximo ao Colosso é montada uma grande mesa. Carne - MUITA carne - seria servida, além de muita bebida. É o ensaio para o que será um enorme banquete, fruto do excedente adquirido através da caça.

Ao entrar na forjaria, Hezequiel percebe que ela está vazia. Se havia alguém ali, e aparentemente havia alguém trabalhando com metal ali há pouco, este alguém se retirou.

A Vanya¹ vagava havia muito por Midgard. Cansada não estava; entretanto, o frio não lhe era assim tão agradável. Suas vestes, apesar de quentes, não eram suficientes para suportar a temperatura. Estava habituada ao “eterno outono” de Alfheim²...

E também, aquela paisagem inteiramente branca ofuscava-lhe os olhos. Acostumada às cores, custava-lhe muito ver tudo tão monocromático. Alegrou-se, entretanto, ao ver de longe dois louros enormes e uma bela ruiva. Vermelho, amarelo... as coisas pareciam estar melhorando. Aparentemente, os três guardavam os portões de um vilarejo, que imaginava ser Utgard.

Aproximou-se devagar. Em tempos de guerra, o mínimo movimento poderia gerar desconfiança. Sentiu-se a pior das criaturas ao ver que os homens vestiam muito menos roupa do que ela e nem se importavam com o frio. Não deixou, entretanto, transparecer no semblante seus pensamentos. Apesar de não ser dada a conversas, cumprimentou, de forma polida, os vigilantes dos portões.

- Mae govannen³. Sou Olorë. – disse, fazendo uma reverência. - Sei do juramento que devo prestar, e dou-lhes minha palavra: minha lealdade será eterna para com o povo destas terras. - completou.

Os guardas liberam a passagem para aqueles que prestaram o juramento, e barram a passagem de quem não o prestou (por exemplo, Dario).

[A partir daqui, quem quiser entrar na cidade é só prestar o juramento, conforme posts passados, e ir entrando, sem precisar esperar pelos NPCs]

Próximo a uma gigantesca estátua dedicada a Tyr estão montadas enormes mesas, em formato retangular. E elas estão fartas de comida e bebida. A cidade inteira começa a se dirigir para lá, pois o banquete está para começar. Talheres são uma raridade ali, no meio de tanta carne, frutas e bebidas. Lentamente, as pessoas começavam a gritar pela cidade que a celebração iria começar e que todos estavam convidados a participar do banquete.

O Demônio de um Braço dirige-se para o banquete para celebrar o nascimento do filho. Já Rögnvaldr permanece próximo à entrada da cidade, como se aguardando por alguém.

Olorë prestou o juramento e foi-se. Esperava encontrar hospitalidade ali: o frio era demais para ela, necessitava aquecer-se. E rápido.

Logo, deparou-se com um homem muito alto, de cabelos prateados e curtos, que usava uma jóia um tanto diferente na orelha esquerda. Não distava muito dos portões de onde a elfa houvera saído há pouco. Como não o conhecesse, parou; não havia como saber que se era um governante daquelas terras. Fez uma mesura delicada, mas nada disse. Esperava que o homem se pronunciasse primeiro.

Por um instante, Rögnvaldr observou Olorë. A primeira vista, o nórdico é apenas um homem normal, ainda que possua porte físico avantajado. Todavia, os seus olhos...

No brilho de seus olhos corre uma longíncua história, que poucos possuem registro. Pois antes de Odin existia apenas o caos primordial e indiferenciado. Para criar o mundo, um sacrifício fez-se necessário. Ymir - o fundador da raça dos gigantes - foi o primeiro a compreender o verdadeiro sentido de sua existência e a beleza do sacrifício, entregando-se de corpo e alma a eles. Odin cortou os membros de Ymir e, com eles, iniciou a construção do mundo. O corpo de Ymir foi lançado no centro do caos primordial, conferindo forma e limite ao mundo. A carne de Ymir tornou-se a terra; seu sangue e lágrimas formaram os oceanos e lagos; com seus ossos foram erigidas montanhas; seus cabelos geraram as árvores. Em um instante de medo, Ymir sentiu fúria de Odin e parte de sua existência se consumiu em chamas, criando o ódio e a raiva. Mas Odin cantou-lhe canções para acalmar o espírito e dormir, permitindo assim o nascimento da vida.

Ainda hoje, tudo o que é forjado e destruído é feito desde Ymir. Na fúria de Ymir que queima o coração dos rancorosos, alimentando o medo das crianças; nas lágrimas e sangue de Ymir, que banham seu próprio corpo e invadem as praias como suspiros; no corpo de Ymir, estremecendo ou gerando a vida. Assim nasceu Midgard: uma terra esculpida pelo sacrifício, pela perda e pela morte. Terra esculpida por Odin. Mas também a morada onde a honra e liberdade superam a morte, e onde o homem pode abrir o céu.

Naquele segundo e só nele, e apenas para Olorë, o cosmo de Odin irradiou-se. Acerca dele pode-se apenas dizer que é grande, pois a medida humana não alcança a medida divina. Ele é Odin. Pois seus ouvidos estão cheios dos gritos de nações conquistadas e de suspiros pelas terras esquecidas; pois seu peito é iluminado por navios em chamas, e seus lábios estão úmidos do sangue de guerreiros assassinados; pois seu corpo é banhado com o sangue de seu próprio sacrifício e sua alma marcada com as runas.

No segundo seguinte, era mais uma vez um humano normal, que estendia uma das mãos para a elfa, como se tentando cumprimentá-la. É como se fosse um deus disfarçado de estrangeiro, tentando confirmar se seu povo é versado em tratar bem os estranhos. "Seja bem vinda...", ele disse. Enquanto disse, seu brinco brilhou sutilmente, emitindo uma leve luz azul...

Naquele segundo em que fitou o homem, uma profusão de informações desconexas invadiu a mente da vanya. E lembrou-se, então, da voz que lhe dizia para não esquecer-se dos...

- ... sacrifícios... – disse baixinho.

Ah, sim. Era Ele. Somente Ele saberia do que Olorë teve de abrir mão para estar onde estava...

O deus a quem dedicara sua vida, seu amor, sua devoção, prostrava-se diante dela. Confusa, apenas conseguia distinguir o poderoso cosmo de seu senhor. E durante aquele curto momento não sentiu mais o frio que a congelava...

Mas logo acabou-se. O homem diante dela voltou a ser alguém como qualquer outro.

"Seja bem vinda..."

E ela chorou. Compulsivamente. Era a primeira vez em meses – e talvez fosse a última - que esboçava uma reação como aquela. Depois de seu sacrifício, Olorë nunca mais demonstrou qualquer emoção ou sentimento. Parecia estar sempre à parte de tudo, como se de nada participasse, em nada se envolvesse. Mas tinha seus motivos, afinal; trazia ela no peito cicatrizes ainda maiores do que a que Odin tinha na face.

De súbito, como que percebendo sua atitude “ridícula”, cessou o soluçar. Pensou em dizer algo, mas as palavras não saíam de sua boca. Ajoelhou-se, então, a frente de seu senhor. Abaixou o tronco e, pousando os braços na neve, quedou-se a ponto de encostar o rosto no chão, numa posição de extrema submissão. As pontas de seus cabelos, muito louros, molhavam-se; suas mãos e seus joelhos, apesar de cobertos, congelavam. No entanto, permaneceu assim, a espera de alguma ordem ou ação de seu deus.

Co-movido com a Guerreira Deusa, Rögnvaldr usa-se de movimentos simples e sutis para ajudá-la a levantar. Era um dia de celebrações e não queria que ela sofresse. Com as mãos, gentilmente limpou as lágrimas do rosto. Ele não tinha palavras para confortá-la, e desconfia que poucas coisas consigam confortar as cicatrizes que ela carrega no coração... Assim, simplesmente sorriu e ficou a observá-la de perto, esperando que ela se refaça. E decidiu que iria fazer sua existência valer a pena. Pois percebeu que várias vidas - como a da elfa na sua frente - foram sacrificadas em seu nome... Por um instante, o peso nos ombros de Rögnvaldr aumentou e ele se sentiu mais deus...

Entre as mesas, o Demônio de um Braço continuava a receber pessoas. Umas queriam cumprimentá-lo, outras queriam dar-lhe presentes...

Olorë sentiu toda a bondade de seu senhor nas ações d’Ele. Ajudou-a a levantar-se e, mais do que isso, enxugou-lhe as lágrimas. Havia muito tempo não sentia um toque; não porque não tentaram fazê-lo, mas porque a vanya estivera fechada em copas até aquele momento.

Sentiu-se reconfortada, sentiu-se importante... O mundo poderia acabar porque naquele exato momento - pena que não duraria para sempre! - todo o seu medo, toda a culpa que carregava dentro de si foi embora. Guerras, batalhas, família, amores, nada mais importava. Pensou em como algo tão simples poderia mexer com ela tão profundamente... Realmente havia feito o certo. Somente por Ele sua existência tinha sentido. Seguir Odin era sua vida; assim ela escolhera.

Recompôs-se, da melhor maneira que pode, ajeitando o arco preso às suas costas e a pequena sacola onde trazia alguns pertences. Adotou sua postura habitual, altiva; fazia uma figura muito bonita, com suas roupas diferentes das do povo de Midgard e a espada de bainha escura à cintura. O rosto estava um tanto avermelhado, devido ao frio, o que deixava seus olhos azuis ainda mais ressaltados.

Olhou na direção de Odin e viu que Ele sorria. Tomando coragem, disse-Lhe:

Mae govannen, hîr nîn.¹ Sou Olorë.

"Eu estava aguardando-a", disse o Pai de Todos para a elfa. Apesar da certeza indubitável de se tratar de Odin, Rögnvaldr era muito humano - talvez humano até demais. E ver Olorë através da perspectiva divina causa no humano Rögnvaldr um misto de admiração e pena. Gostaria de ouvir suas histórias e falar-lhe, mas a ocasião não era muito propícia.

"Hoje estamos celebrando o nascimento de uma criança...", disse para Olorë, entregando a ela o seu próprio sobretudo ao perceber que ela sentia frio. "Teremos muito tempo para conversar, Olorë. Por ora, juntemo-nos à celebração...", completou, convidando a elfa para juntar-se ao enorme banquete que se iniciava.

- Peço desculpas se demorei demais, hîr nîn. – disse, preocupada em ter feito seu Deus esperar.

"Hoje estamos celebrando o nascimento de uma criança...” – disse-lhe, entregando o sobretudo.

Olorë, sem hesitar, estendeu a mão direita para o casaco, pesado e quente. Era humilde demais – e esperta também – para recusá-lo. Puxou, então, para si a peça de roupa. Delicadamente, pousou seus pertences na neve e vestiu o casaco, que lhe sobrou muito, apesar de ser alta. Quando terminou, pegou suas coisas de volta e puxou o casaco, apertando-o em si, enquanto escutava o Deus lhe falar.

“Teremos muito tempo para conversar, Olorë. Por ora, juntemo-nos à celebração..."

As palavras de Rögnvaldr ecoaram na mente de Olorë. O que Odin planejava para ela? A elfa apenas fez que sim com a cabeça, afastando os pensamentos da mente; o que quer que Ele pensasse, saberia mais tarde.