Gigantomaquia - Capítulo II - A Reunião Dourada

A última noite no Santuário fora conturbada. A invasão deixara resquícios da violência dos Gigas. Parte das escadarias principais haviam sido destruídas, com grandes crostas abertas no seio da terra. Colunas, outrora grandes e imponentes, jaziam inertes no chão. Era terrível a força do inimigo. Parecia que a própria terra cuidava deles, alimentando-os com seu cosmo. Nunca o Santuário sentira tamanho abalo. Alguns soldados rasos gritavam aos quatro cantos que era o fim, que o inimigo era invencível.

Essa situação deixa Argaios, o Grande Mestre, perplexo. Ele é aquele que está acima de qualquer hierarquia do Santuário, o braço direito de Athena e líder das suas tropas. Em um período passado, fora um cavaleiro de ouro, dito o mais sábio e poderoso deles, por isso fora indicado ao cargo. Hoje, já velho, possui uma sabedoria ainda maior que antes, que foi sendo lapidada com o tempo. Entretanto, sua força nem de longe lembra a de antes, pois o corpo acabou cedendo ao tempo, as juntas endurecidas dificultavam seus movimentos e os músculos flácidos não tem a mesma força de antes.

Frente ao ocorrido, ele decide convocar um concílio entre os Cavaleiros de Ouro. Eles eram a máxima hierarquia do Santuário, cujo poder era capaz de destruir estrelas e a velocidade alcançava níveis próximos à da luz. Eram os cavaleiros mais poderosos a serviço da Deusa, por isso eram encarregados de defender as escadarias que levavam ao seu templo. Somente em épocas de calamidade, como essa, eram reunidos para discutir táticas de guerra. Somente nessas épocas apontavam seus punhos ao inimigo. Suas armaduras resistiam desde o fogo mais intenso ao frio absoluto. O ouro era o metal que compunha a liga, dando um aspecto magnífico às suas armaduras. Estas, representavam os doze signos do Zodíaco Solar.

Após enviar seus mensageiros às doze casas, o Grande Mestre senta-se em sua cadeira à espera dos cavaleiros. Tenso, ele não para de levar as mãos à cabeça. Estas tremiam mais do que apenas devido à idade, eram sinais de preocupação. A existência do Santuário estava em risco, pois ele conhecia sobre o inimigo e sabia seu poder que, no passado, fora capaz de fazer tremer até mesmo os deuses do Olimpo.

A sexta casa, de Virgem.

Segundo os rumores, o local mais silencioso do Santuário. Pois, dizem as línguas, o guardião da sexta casa vive meditando. As pessoas até discutem se ele é humano e tem uma vida normal, se dorme, se se alimenta... Os rumores de que se trata do cavaleiro 'mais próximo de Deus' apenas lançam mais fogo na fofoca popular.

Acala chegou ao santuário com apenas cinco anos, e fora imediatamente sagrado cavaleiro de ouro de virgem, apesar da idade. Hoje, Acala tem 20 anos. Desde então, aprendeu grego e habituou-se à vida no estrangeiro, mantendo os costumes de sua terra. A meditação é um exercício constante. Através dele, Acala estuda o seu próprio cosmo e abre sua existência às variações e manifestações do cosmo nos arredores do Santuário. Nessas horas, seu corpo flutua acima do chão e permanece imóvel. E pouquíssimas coisas o movem dessa posição, poucos são os eventos que o obrigam a cessar sua meditação - Acala significa 'o imovível', aquele que não altera sua posição ante qualquer coisa.

Ao receber a mensagem acerca do concílio dos cavaleiros de ouro, Acala já imaginava que tempos difíceis viriam, e que finalmente chegara o dia em que sua existência fará completo sentido. Como cavaleiro de ouro, Acala é responsável por 1/12 do céu, 1/12 do mundo, e, enquanto tal, deve corresponder plenamente ao quinhão de responsabilidade que lhe foi dado.

Carregando o elmo com as mãos e deixando seus longos cabelos loiros soltos, Acala se retira da casa de Virgem, começando a subir as escadas que conduzem ao salão do Grande Mestre...

(quer saber como é a aparência dele? Pense no Shaka e no Asmita)

Um vento gélido passeava pela nona casa zodiacal. Quem adentrasse ali sentiria calafrios, mesmo estando na Grécia. Nem o calor seco e abafado da região seria capaz de proteger um coração pulsante daquela sensação de perda. Há muito esse sentimento habita Sagitário, datado provavelmente da mesma época em que a inscrição foi feita. "Οι νέοι άνθρωποι που φτάνουν εδώ, τη φροντίδα τους εμπιστοσύνη Αθηνά” é a mensagem de esperança que contradiz o sentimento sufocante capaz de perfurar até a mais forte das barreiras mentais.

Normalmente, o ar não é tão carregado. Normalmente, a atmosfera é leve, perfumada, alegre, transmitindo todo o amor que o sagitariano sente pela vida. Normalmente, a felicidade que a casa emana é quase palpável, deixando bem claro a satisfação da armadura em poder entregar sua vida nas mãos de Athena, e é possível sentir a aura colorida já no começo das escadas que levam até a entrada da nona guarda. Mas hoje não se encaixa em “normalmente”. Hoje não é um dia comum.

Hoje, nem mesmo o cosmo pulsante de Melody pode quebrar a tristeza inerente à casa.

A garota sente as energias, tão douradas quanto as suas, dirigirem-se em sua direção. Mais precisamente, na direção do Salão do Grande Mestre. Uma reunião havia sido convocada. Era a primeira na vida da sagitariana. E, esperava sinceramente ela, que fosse a última. Doía-lhe ter de abandonar sua amada casa, contudo Argaios chamava. Pela primeira vez, todos os doze cavaleiros de ouros seriam reunidos para discutir táticas de guerra. A história diz que isso é raro, e indica grandes perigos à frente. Melody sentiu-se arrepiar ao constatar o estado em que o Santuário se encontrava, mas mordeu o lábio e respirou fundo, convencendo-se de que tudo daria certo no final. A Sabedoria de Athena era poderosa, e igualmente era sua flecha dourada.

Deixara para trás a máscara digna das amazonas da Deusa sem medo. Sabia que devia usá-la sempre, contudo precisava respirar. Sentir a leve brisa no rosto e torcer para que ela fosse capaz de amenizar não só o calor tipicamente grego como o temor em seu peito. Não se arrependia de mostrar o rosto, e sabia que ninguém a repreenderia naquele momento. Havia coisas mais importantes em jogo do que a reputação de uma guerreira da Justiça. Por isso, meneou a cabeça na direção dos dois cavaleiros que adentraram sua morada, um após o outro, e esperou que a atravessassem antes de segui-los. Costume, talvez.

Fez questão de não falar durante todo o trajeto. Não havia palavras que pudessem ser ditas. Até porque, se abrisse a boca, não sabia se podia organizar seus pensamentos de maneira lógica e compreensível. Por isso, nem tentou, e deixou sua mente vagar de volta a Sagitário. "Aos jovens que aqui chegarem, confio Atena aos seus cuidados", dizia a inscrição. Talvez, um dia, ela própria deixaria a frase como herança para os futuros defensores da Paz.

Acala atravessava a casa de Sagitário, com seus passos ecoando ritmicamente pelo local. Vestia a sagrada armadura de virgem, e uma capa branca que quase se arrastava no chão. Nas mãos, carregava o elmo da armadura. Os longos cabelos loiros estão soltos, e seus olhos estão fechados. Existem histórias e rumores sobre seus olhos: dizem as más línguas que Acala se transforma em um asura¹ ao abrir os olhos, trazendo a morte para perto. É raro encontrar oponentes no santuário, mas, se alguém resolvesse lutar contra ele, o primeiro conselho que dariam seria: não deixe o cavaleiro de Virgem abrir os olhos.

Ainda sobre os olhos, o fato de estarem fechados jamais impediu Acala de enxergar as coisas. Pois, como cavaleiro de ouro, Acala observa principalmente através do cosmo, e não dos sentidos do corpo. Deste modo, pode efetivamente ver as coisas como realmente são, para além dos limites físicos do sexto sentido. Por isso, ficou surpreso ao ver o rosto de Melody, a amazona de Sagitário. Pois rezam as tradições que amazonas devem constantemente usar suas máscaras. Caso alguém veja seu rosto desnudo, a amazona é obrigada a matar ou amar quem a olhou. O indiano sorriu e fez um comentário bem humorado: "- Espero que você não me mate por causa disso"

Vendo um certo nervosismo em Melody, Acala sentiu vontade de oferecer-lhe a mão para que andassem juntos. Mas nutria, acima de tudo, um respeito enorme por seus irmãos de armas. Temendo desrespeitá-la, não manifestou seu desejo. Mas disse: "- Vamos. Com sorte, podemos nos reunir à amazona da casa de Capricórnio". E seguiu caminho, junto da amazona de Sagitário.

Lá estava o Grande Mestre, sentado em seu trono. O elmo dourado cobria seus longos cabelos outrora dourados, hoje já brancos devido a sua idade. Era bem velho, entretanto não tão velho quanto os seus antecessores. Tinha por volta dos 70 anos de idade, entretanto seu semblante denotava um homem austero, que não aparentava os anos que tinha. Entretanto, hoje ele escondia o seu rosto sob uma máscara azul de tonalidade muito escura, com um vermelho intenso demarcando onde estariam os olhos e a boca. Essa era a máscara que os Mestres do Santuário usavam desde a antiguidade e denotavam sua devoção a Athena.

Ele estava à espera dos dourados, os grandes guardiões do Santuário. Outrora, fora um deles, era o dourado de Virgem e considerado o mais poderoso dentre os doze. Ansiava pela chegada dos santos, para que a Reunião começasse. Só ele sabia, no momento o quanto o Santuário estava em perigo. E, juntando-se ao fato de Athena não ter desperto, havia a força do inimigo, que já rivalizara até mesmo com a dos Deuses. E ele sabia que, pelo fato de não terem a deusa protegendo-os, o Santuário seria o primeiro alvo da vingança deles.

Por fim, um a um, os dourados foram aparecendo. Libra foi o primeiro. Era jovem e impulsivo. Ao indagar sobre o motivo da reunião, recebeu apenas um sinal do Grande Mestre para que esperasse a chegada de todos. Passados alguns momentos, todas as armaduras douradas estavam ali presentes e reluziam consoantemente como há muito não se tinha visto. Era realmente uma data que entraria para a história.

Ali estavam: Áries, Touro, Gêmeos, Câncer, Leão, Virgem, Libra, Escorpião, Sagitário, Capricórnio, Aquário e Peixes.

Com todos ali, Argaios iniciou a reunião:

- Como todos sabem, um inimigo invadiu o Santuário ontem à noite. Os estragos podem ser vistos por toda parte, o que demonstra toda a força do seu punho. Saibam que se meus temores estiverem certos, ele é mais poderoso que qualquer um que já enfrentamos nos tempos recentes. Talvez mais forte que todos. Eles são os legítimos filhos da Terra, os monstros que ameaçaram até mesmo o Olimpo, os Gigas.

Ao mesmo tempo em que falava, transparecia preocupação em sua voz. Ele realmente temia pelo futuro do Santuário e até mesmo da Terra.

Spoiler:

Acala nada diz, permanecendo em misterioso silêncio, mantendo assombrosa calma, como se o conclave estivesse acontecendo em um domingo de paz. Iria se pronunciar apenas se o Grande Mestre pedisse sua opinião acerca do assunto.

As perguntas dos cavaleiros eram válidas, mas não levam a lugar nenhum. Pois nenhuma delas toca no elemento básico: os Gigas estão ai e já abalaram a paz do Santuário. O que farão os santos dourados para repelir o inimigo e garantir a paz? É em meditativo silêncio que ele aguarda pelas determinações do Grande Mestre.

Vendo seus cavaleiros estupefatos frente à revelação do inimigo, Argaios, o Grande Mestre, ergue a mão direita, fazendo sinal para que todos se acalmassem e se calassem. Ele levanta de seu trono e, pegando algumas anotações, ele inicia um discurso elaborado sobre os Gigas, quem eram, o que acontecera no passado. Nisso, ele se baseava em poemas da antiguidade clássica, pois não havia fontes históricas sobre a Gigantomaquia. Assim, as informações eram algumas vezes controversas, o que acabavam por confundir quem ouvia. Entretanto, estas eram suas únicas fontes e, mesmo não sendo tão confiáveis, eram a única luz naquele momento.

Após a sua explicação, o Mestre finalmente chega ao objetivo dessa reunião.

- Bem, como sabem, os Gigas foram presos no Monte Etna devido a um selo de Athena, em tempos longínquos. Nada mais se sabe sobre isso, como se pode perceber pelas fontes históricas. Entretanto, eu tenho algumas suposições. O selo ainda deve estar lá, enfraquecido. Assim, devemos resgatá-lo, pois a deusa ainda não despertou, então não há como criar um novo. Pelo que é dito nos poemas, a Deusa utilizou-se de fios de cabelo que lhe foram dados por Afrodite. Embora não sejam fontes confiáveis, são as únicas que temos. Assim, devemos enviar uma comitiva ao monte Etna para resgatar o selo, para que possamos trancar os gigantes de novo.

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